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De longe a longe, por vezes com anos de entremeio, acontece
cruzar-me com o colega e, obedecendo ao ritual, trocamos então as palavras do
costume, inquirimos da idade, do estado dos ossos, fazemos um ou outro
comentário, discutimos este e aquele colega, sobretudo aquele, que em nossa opinião goza de excessivo
favor do público, e arrebanha desusada maquia.
Passado o instante de pausa em que saboreamos o café ou a
cerveja, dispara ele a inevitável pergunta
que desde o início da conversa aguardo, e nunca falha:
- Já decidiste a quem vais deixar os teus livros e o teu
arquivo?
Respondo, com sinceridade, que ainda não pensei nisso, e
provavelmente não vou pensar. Toma ele então um ar compenetrado, baixa os
olhos, põe a voz no grave, diz pela enésima vez:
- Vou deixar a minha biblioteca, o meu espólio e a minha
correspondência à Biblioteca Nacional.
Dou às feições o ar de solenidade que o momento pede, ao
mesmo tempo que reteso os músculos, a suprimir a maliciosa gargalhada. Porque
vamos lá ver:…
Não, não, seria crueldade. Não vamos ver nada, fica a
história por aqui.