quarta-feira, março 19

Na TIME OUT



Portugal a
Flor e a Foice

J Rentes de Carvalho

Se alguém disser que os
Descobrimentos foram no mar
uma anarquia de roubos e em
terra uma série de depredações
sanguinárias muita gente achará
que é uma piada de mau gosto. Se
de Vasco da Gama se lembrar que
ordenou o saque de uma nau de
peregrinos de Meca e que a fez
explodir com 300 homens
mulheres e crianças lá dentro
entre outras violências muitos
ficarão incomodados. E se a isto
ainda se acrescentar que os
escritores e intelectuais
portugueses usaram a desculpa
da censura para se demitirem da
realidade política e social do país
quase todos duvidarão que
alguém tenha afirmado tal coisa.
Mas é de afirmações destas e
muitas outras do género que se
vai fazendo o espanto perante a
quantidade de liberdade de
pensamento contida neste livro de
J Rentes de Carvalho. E sendo
estranho que se sinta um valor de
novidade perante um livro escrito
e publicado na Holanda em 1975,
os quase 40 anos de espera
tornam ainda mais frenética a
urgência de correr as páginas.
Não importa estar de acordo ou
contra. Importa que tudo é dito
muito antes de haver frieza para
isso sem olhar por cima do ombro.
Que dá vontade de ler frases em voz
alta perante mesas cheias só para
ver a expressão na cara dos outros.
E que tão depressa dá gargalhar se
um homem vem a correr para
Portugal quando Salazar cai da
cadeira a contar com agitação e
encontra toda a gente na praia,
como o estômago pesa ainda antes
de a frase acabar. E que tem muita
piada, mas não é uma piada o que
tanto vale para este episódio como
para o livro todo.

Catarina Homem Marques

Time Out