domingo, dezembro 9

Diferenças


Geou forte. Aqui em volta apontam tufos de verde, as árvores perderam a seiva, o resto é brancura, frio, desconforto.
Saíram num escuro de noite, o relógio da igreja a dar as seis. Varas ao ombro, silenciosos como sombras, um já de oitenta, aos outros dois faltará um ano, vão repetir o trabalho que fazem desde criança: varejar a azeitona, apanhá-la nas lonas, guardá-la nos sacos que irão  para o lagar. Ora de pé, braços ao alto, agitando as varas, ora curvados na apanha, esquecidos da dor e do cansaço.
Pelas encostas não se ouve uma fala, um grito, um chamamento. Há ali uma solenidade e um recato de missa, o modo grave do ritual atávico de semear, cuidar, colher e guardar para as horas de precisão.
Vi-os passar, encolhidos, pressentindo o gelo que vai abrir gretas nas mãos, entorpecer os pés, endurar os ossos. Vi-os passar, sem pena nem sentimento de culpa do meu conforto, mas  invejoso dos que, sem se interrogar, seguem decididos um ritual e têm um propósito.


Já eles trabalhavam há mais de duas horas quando o sol começou a derreter a geada, e eu, desolado com a inutilidade da minha manhã e do que penso, me fui a ouvir Brahms.