Entrei, e naquele momento era o único
cliente, demo-nos os bons-dias, o proprietário atendeu o meu pedido, embrulhou
a compra, fez o troco. Ia despedir-me, mas ele, sorrindo, quis saber se poderia perguntar uma coisa.
- Claro.
- O senhor está na Holanda, não está?
- Estou sim.
- Há muitos anos?
- De facto. Há uma vida.
- E é escritor?
- Sou.
- Então perdi – e ao mesmo
tempo descaíram-se-lhe os cantos da boca. – Um amigo apostou que o senhor era o
escritor que tinha estado na Feira, e eu disse que não, não podia ser.
- E por que motivo não podia ser?
- É que..
Tão genuína se mostrou a sua confusão que
quase me arrependi de insistir, mas a curiosidade levou a melhor e aguardei.
- É que… Cá na minha ideia, e já tenho
visto alguns, os escritores têm outro modo. Quer dizer!… – o gesto parecia vago, mas involuntariamente abrangeu a minha
camisa, as mangas arregaçadas, as calças sem vinco, os sapatos velhos, o boné
às três pancadas.
Começou a desculpar-se, mas assegurei-lhe
que não era mal nem havia de quê, e fui-me dali alegre de ver confirmado o
adágio de que o hábito faz o monge.