Por Macau já andei, noutra vida, no tempo em que Camões vivia e eu, rapaz aventureiro, me tinha alistado na esquadra de paraus de Sandokan, o Tigre da Malásia. Ancorámos lá para fazer aguada, e recordo vivamente a tarde em que, num largo com igreja, um colega malaio me apontou um sujeito alto e zarolho, dizendo que, morresse eu ali, era o cargo daquele homem assentar-me no Livro dos Ausentes e Defuntos. E mau grado o não ter melenas nem ar de tuberculoso, diziam-no poeta.
Foi isso noutra reincarnação – desde aí tive duas – e quer o acaso que, a actual prestes a terminar, me convidem agora para retornar a Macau.
Sei o que vou encontrar, o Google ajuda, sei também mais ou menos que de mim esperam, e durante uns dias tentarei desempenhar o papel que me propõem, o do escritor a dizer seriamente coisas sérias sobre a literatura, a inspiração e a dificuldade de existir.
Problemático, se se der, será o momento em que, ao passar por um largo com igreja, me escape no tempo, aperceba Camões e, esquecendo ao que vim, deite a correr atrás dele.