segunda-feira, outubro 24

Disfarce

Disfarçamo-nos no que escrevemos. Ora mostramos como gostaríamos de ser, ora escondemos os nossos medos entregando-os ao personagem, fingimos rir do que nos envergonha, criamos a virtude que seria bom ter e a coragem que nos falta, escondemos nesse irmão de empréstimo a cobardia e as hesitações que nos afligem, comete ele os crimes que não ousamos.
Toda a escrita é auto-retrato. Quanto melhor conseguida, mais difícil se torna, mesmo para o próprio, separar o vero do inventado. É também frágil equilíbrio em corda bamba, que uma vez perdido leva a cair na pose, dá a ilusão de que se pertence aos eleitos.
Quem pensa em escrever deveria, pois, como um beneditino, obrigar-se à clausura. A probabilidade é grande que, terminado o retiro, corra dali ao psiquiatra em vez de se  arriscar à escrita.