terça-feira, setembro 13

Pasmaceira

Se olho para trás, os primeiros cinquenta anos da minha vida foram de grande agitação, os últimos trinta uma pasmaceira. Tenho eu saudades da turbulência? Não tenho, porque muitas vezes me levou àquelas situações de cara ou coroa em que o destino se joga, e se dalgumas saí a ganhar e noutras fiquei no empate, as que foram quase quase deixaram-me com adrenalina bastante para que, desde então, dispense a busca de emoções ou riscos.
Claro que nesta idade, dirão os inexperientes, emoções só as devo esperar das consultas ao médico ou dos exames no hospital, e o risco maior, se não for a passadeira da rua, virá dalgum trambolhão.
A vida, felizmente, desconhece regras e certezas. O amor não precisa de desaparecer com os anos, a verdadeira amizade resiste aos embates, carinho e simpatia há às mãos-cheias, do sorriso da criança ao desabrochar da flor e à luz da manhã, sobram as razões de alegria.
Assim, ao contrário do que você pode imaginar, a pasmaceira em que vivo não é um nevoeiro de aborrecimento ou o melancólico aguardo do último sopro, mas a paz de alma de quem conseguiu saltar do comboio antes dele se despenhar.