Agradável coisa, esta que ultimamente me tem acontecido, pois me estão a sobrar amigos, relações, os conhecidos e até os parentes. Tenho uma vaga ideia da causa desse desmesurado e recente carinho, mas nem por isso deixa de me maravilhar a descoberta de que haja tanta gente que, antes de testemunhá-la, mantenha a amizade e o parentesco numa espécie de longo banho-maria.
Seja como for, de momento é amigos p'ra cá, parentes p'ra lá. Uns brincaram comigo na infância, outros são do liceu, da tropa, do tempo em que morei na Praça da Alegria, em Lisboa. Há um que me conhece da boémia de Berlim, onde nunca estive, pouco falta a alguns para que, esquecidos da idade, jurem que andaram comigo ao colo quando gatinhava no Monte dos Judeus, em Gaia.
Aquele recebeu em tempos uma carta minha, e recorda-a laboriosamente, aproveitando a ocasião para mencionar o erro ortográfico que lá encontrou. Uma outra pede o endereço, para mandar o poema que em 1948 lhe recomendei e que ela guardou na agenda desse ano.
De parentes é também um nunca mais acabar. Primos em quinto, sexto grau, que nos longes do Mato Grosso, da Venezuela, de New Jersey e Sausalito, subitamente se agarram à existência deste familiar, desculpando-se da ignorância do sangue que nos une.
Vale-me a pachorra. Franzo o sobrolho, mas na verdade divirto-me de que gente a quem por urbanidade se dão dois dedos de conversa, familiares e vagos conhecidos, tão inesperadamente transbordem de simpatia.