segunda-feira, janeiro 25

Dottore


A farmácia e o restaurante são dois dos raros estabelecimentos em que, quem lá entra, vai decidido a comprar. Aqui nada se vende e o visitante pode ter entrado por simples curiosidade, mas já agora não se despeça antes de ler. E ao findar pare um instante, deixe correr o pensamento.


Isto li eu no jornal, sábado à tarde: Sylvia Tóth (1944-). Aos quinze anos, no secundário, decidiu que bem podia trabalhar de dia e estudar à noite. Assim continuou até se licenciar em Psicologia. Aos vinte e oito era directora de uma grande empresa, que mais tarde viria a adquirir. À custa de trabalho e persistência possui hoje uma das maiores fortunas da Holanda, distinguiram-na como uma das Leading Women of the World.

À noite o acaso levou-me a reler umas páginas de Naples '44 de Norman Lewis (1908-2003), prolífico escritor de livros de viagens que, ao findar a Segunda Guerra Mundial, era oficial do exército britânico que ocupava Nápoles.

O livro impressiona pelo testemunho do que é capaz a natureza humana em situações de desespero, mas aqui apenas interessa a passagem em que Lattarullo, um velho advogado napolitano, se oferece como informante:

"Era ele um dos cerca quatro mil advogados que há em Nápoles, dos quais noventa porcento nunca exerceram a profissão e, na maioria, vivem em extrema pobreza. Calcula-se que haja na cidade um número igual de médicos em idênticas circunstâncias; estes famintos académicos são o produto acabado da firme determinação da pequena burguesia napolitana em ter um rebento com um inútil diploma universitário. Os pais não hesitam em passar fome para que o filho alcance o direito de ser respeitosamente tratado por dottore".


Caro visitante: são dois mundos e não vamos comentar, porque de nada adianta.