O pai, depois ou antes dele os irmãos, os tios, o padrinho. Mais tarde, quando já se sabia, um qualquer acenava e ela, detrás do muro, levantava a saia, deixava-os fazer. Alguns batiam-lhe. Chamavam-lhe cadela. Puta. Porcalhona. De longe a longe deixavam-lhe uns tostões, pagavam-lhe um copo na taberna. Um amarrou-lhe as mãos com uma corda, prendeu-a a uma cerejeira, e foi buscar o irmão tolinho que, aos quarenta anos, ainda não conhecera mulher.
Foder? Arrombar? Começou aos onze e para aquilo, para o que em mais de vinte anos fizeram com ela, os verbos da ralé não servem, não chegam, não dão a medida da bestialidade e do desprezo, do sofrimento, do nojo, do vácuo animal, do escuro de algumas vidas.
Era desmanchar ou parir, parir e enterrar. Nunca ninguém quis saber quantos, nem ela guardou memória.
Escaparam dois. Criados ao deus-dará com o pão das esmolas e aguardente na chupeta, ficaram gente na aparência, bichos no resto. O mais novo levaram-no os ciganos e têm-no na Espanha como escravo.
Corpo de gigante, cabeleira ruiva, uma perna torta, ao mais velho “deu-lhe uma coisa”, e como o médico mandou que andasse, anda sem parar. Dia e noite, chuva ou sol, calor ou frio. Chamam-lhe agora “O Peregrino”.
As mulheres têm-lhe medo, tremem quando se cruzam com ele nos atalhos. Diz-se que o ouviram prometer que um dia uma não escapa, há-de lhe fazer o que fizeram à mãe.