Tive, mas há muito o perdi, esse sentimento
de que o tempo não passa. O meu corre, voa, já é ontem quando o julgo amanhã,
descubro-me idoso de um dia para o outro, surpreende-me que, como vizinhos
irritados, cabeça e músculos deixem de se falar, desdenhando da sincronia que
ainda na semana passada os harmonizava.
Queixas não tenho, antes me diverte o
espectáculo em que para mim próprio me tornei, e a que obrigado assisto, em
simultâneo actor e público de mim mesmo, dando réplicas, negando o aplauso, por
vezes a resmungar com o mau desempenho.
Uma curiosidade me resta: quem será o régisseur ? Eu de certeza não sou.
Apenas forneço o palco, represento os
papéis que já disse, e impaciento-me com a repetição das cenas.