domingo, novembro 6

A Eduarda

Vem o pedido para que escrevas uma carta a ti próprio no tempo da adolescência. Grátis, claro. Escreves. Envias. Depois nada acontece, ninguém dá contas, se a publicaram ou não é mistério. Se fosse paga teria valor, mas coisa escrita Pro Deo até a cortesia dispensa.
Ponho-a aqui, porque afinal é trabalho, e talvez faça sorrir um ou outro que também conheceu um amor impossível.

Caro José,
Fraca ideia, a carta. Para mal já bastava teres-te apaixonado pela Eduarda, passando por alto que ela, com dezoito anos, nem sequer vê um puto de dezasseis. Narigudo, desajeitado, de fraco músculo e barba rala, nem de longe te podes comparar ao tenente Costa.
É verdade que te sorri, chama-te "o tagarela", e na noite de São João deu-te aquele beijo, inesperado, doce, cheio de promessas. Mas tudo isso é sonho de que não queres acordar, pois, como sabes, porque os espias, é com o tenente que vai para a praia e passa horas na esplanada do "Girassol".
Aos domingos à tarde, montado num baio, "O Fusca", como lhe chamas no teu azedume, atravessa a praça. A Eduarda espera à janela, ele estaca o cavalo, entrega-lhe a rosa, bate uma continência e segue adiante. Quem vê diz que fazem um lindo par.
E que dizes tu? Que um dia o matas! E para que te deu ciúme? Para escreveres a carta que ela já lhe mostrou e a esta hora estão ambos a rir.
Vê se aprendes.