domingo, janeiro 7

Rosário de queixumes

 

Nada adianta dizer-me, e repetir cem vezes,  que uma dose cavalar de indiferença ajuda a paz da alma e a saúde do fígado. O problema é que a indiferença, a genuína, tem de ser de fabrico próprio, não se compra em pílulas ou injecções.

Ora nesse particular da indiferença, - e da paciência também - confesso que a minha craveira se  encontra muito abaixo da média, pois antes de ter ideia do que me está a acontecer, e accionar o necessário travão, já o humor se me azedou. É assim que, numa ou noutra altura, me vejo a cair na armadilha da muita idade, recordando vivências e casos que, tivesse eu melhor juízo, deveria deixar nos arrumos para onde os atirei.

Infelizmente, já a sabedoria antiga avisa que burro velho não toma andadura, e para mal dos meus muitos pecados há décadas entrei nessa categoria, de forma a ser nula a probabilidade de mudança ou melhoramento.

É assim que me descubro incapaz de varrer da memória o “Paraquedista”, trafulha de quatro costados, não porque o dano que a sua “amizade” me causou tenha sido por aí além, mas devido ao remorso de me ter deixado intrujar, como se ele me tivesse hipnotizado ou, num momento de desvario, eu retornasse aos cinco anos, quando ainda acreditava no Pai Natal, e a tia Guilhermina, trombuda, aos meus olhos centenária, curava a minha soltura e as dores da barriga com uma longa reza em latim, ao mesmo tempo que na cabeça me deitava – um por cada pecado - sete pingos de azeite.

Ambos faleceram num já bem remoto trinta e um de Dezembro, mas continuo sem compreender que neles não penso  o ano inteiro, mas chegando a data é o mesmo que tê-los à minha frente em carne e osso.