As guerras já não são o que eram, é tempo perdido recordar guerras como a da Abissínia em 1936 quando, em vôo, os pilotos dos aviões de caça disparavam revólvers contra os pilotos inimigos.
Mas se mudaram as guerras, mudaram muito mais os sentimentos, hoje quase todos se querem universalistas e modernaços, faz figura de tolo o que se diz orgulhoso da terra onde nasceu, da língua que fala, dos valores e tradições que respeita.
De modo que só na aparência tem este intróito a ver com recordações de guerra, sim com a estranheza que provocam certas mudanças de sentimentos e mentalidades, de que não nos demos conta, ou por cautela e paz de espírito fingimos descartar.
Assim sucede que um amigo, jornalista que há trinta e tal anos, ao redor do mundo segue guerras, tragédias e cataclismos, telefonou a lembrar que há muito tinha passado a ocasião de nos revermos, o que estava a pedir almoço ou jantar.
Foi almoço, e como ele, desde a invasão da Ucrânia lá tem ficado muito tempo, foi da Ucrânia que falámos. Da carnificina e do sofrimento de ambos os lados, das destruições, do medo, do desespero, da falta de esperança, da paz que tarda.
A certo ponto vi-o sorrir, e ia perguntar o motivo, mas ele antecipou-se à minha curiosidade:
- De facto as guerras já não são como eram, e este mundo tem pouco a ver com o que se tomava por normalidade. Há os bombardeamentos, as destruições, os mortos, os feridos, mas demasiado mudou. Disse-mo sem papas na boca um casal ucraniano que meses atrás entrevistei:
“Estamos fartos desta guerra e de ter medo. Não dormimos uma noite em sossêgo, sempre à espera do alarme. Por isso fique ou fuja quem quiser, nós vamos de férias para a Suíça e ficamos por lá o tempo que for preciso. O patriotismo e a solidariedade são nobres sentimentos, mas vida há só uma.”