domingo, março 12

Voar sem asas

 

Pode-se dizer, sem exagero, que vivemos tempos destrambelhados, cada vez mais o que parece não é, para depois voltar a ser, assim a modo de que tanto vale a verdade como o seu contrário.

Pelo menos essas são as conclusões do Abílio S. Martinez, amigo de longa data e cavalheiro à antiga, que não somente se distingue pela cortesia do trato, mas também pelo gosto que toma de ser contra, mesmo quando a conversa não se presta a discordâncias.

Nós, seus amigos, já não prestamos atenção nem lhe levamos a mal as manias e o modo absurdo, mas quem é confrontado com as suas bizarrias e afirmações despropositadas, pode ficar com ideia de ter diante de si um tolo ou destravado, quando de facto ele é todo o contrário.

Mas enfim, cada um é como nasceu, entre os deveres da verdadeira amizade está a compreensão das desigualdades e das diferenças.

Voltando agora ao estranho tempo que vivemos, acontece que quando estamos no café e ao vê-lo entrar um de nós diz “Lá vem o Sikorsky”, há sempre um ou outro curioso a perguntar se o nosso amigo é ucraniano, se bem que nem todos mereçam saber da origem da alcunha, que essa sim, tem o seu quê.

Anos atrás ele era apenas o Abílio, ou carinhosamente  o “Galego”, mas a mudança deu-se durante uma conversa que quase ia azedando, uns a defender a necessidade de escolas de excelência, outras a achar exagerado.

Saiu então o Abílio a contar a história que lhe valeria a alcunha, a de que Igor Sikorsky, o engenheiro ucraniano inventor do helicóptero, quando ainda era estudante no Politécnico de Kiev, rebateu as afirmações de um professor sobre a Dinâmica , argumentando que se era exacto o que o mestre afirmava acerca das leis dessa ciência, o diminuto tamanho das asas das abelhas não lhes permitia voar. “Felizmente – tinha ele acrescentado – as abelhas nada sabem de Dinâmica.”