quinta-feira, março 23

Os deveres da amizade

 

O Quim Barbosa tinha publicado um novo romance - o quinto aos seus trinta anos – e lá fui à sessão de autógrafos cumprir as obrigações de padrinho, fazendo o meu melhor para esconder o fastio que esses ajuntamentos me causam, e manter a careta tola de jovialidade e boa disposição, como se estar ali fosse um privilégio, em vez do frete que não se pode recusar a um afilhado.

Depois de suficientes apertos de mão, beijinhos, frases ocas, fiz valer a idade e procurei uma cadeira, esperançado que o ar de cansaço bastaria para que me deixassem em paz.

Assim fosse, mas a boa sorte pouco durou e adeus sossego, um atrás do outro vinham para mim a sorrir, curiosos se me sentia bem, se aguentava a barulheira, de certeza vinha aí novo livro...

Devo ter dormitado um instante, porque sobressaltei ao ver-me repente abraçado e beijado pela Júlia Valadares, agachada contra mim, a sussurrar que eu desta vez não escapava, ia-me tirar dali e obrigar a cumprir a promessa tantas vezes feita de jantarmos sem mais companhia.

Posto entre a espada e a parede, mas esperançado que desta vez ela não me aborrecesse tanto como da anterior, lá fomos então para a sua última novidade gastronómica, descobrindo para meu pasmo que ali eram tudo verduras, vinho desconheciam, para beber só água ou chá.

Fiz de conta, não dei à Júlia o gosto de me ver irritado, fui gentil e hipócrita, garantindo-lhe que além de satisfazer a minha curiosidade, um estabelecimento daqueles era um bom passo para me convencer a abandonar a carne e as gorduras.

Ela que sim, a sorrir da minha boa-vontade, confessando que escolhera o local com alguma malícia, e na realidade para testar se eu continuava a ser bota-de-elástico.

Mas bota-de-elástico continuarei, não esqueço o nojo do que ali chamavam sobremesa, revira-se-me o estômago se recordo o sabor do chá Oolong.