Foi legenda, e assim continua
na recordação dos que a conheceram nesse tempo. Um corpo formoso, pernas de
entontecer, e como não sofria de modéstia começou cedo a tirar proveito da
beleza.
Casou rica, divorciou-se, casou ainda mais rica, voltou a divorciar-se. No
dizer de um antigo amante conseguia transformar os seus gestos e movimentos em
momentos de arte, chegando – são dele as palavras e a estupefacção – " a essa
coisa extraordinária de, com as pernas, se exprimir numa verdadeira
linguagem."
- Falava com as pernas.
- Realmente, era como se falasse - respondeu ele, indiferente à minha ironia.
Vi-a hoje pela primeira vez, num beberete em que se festejava um aniversário.
Passa dos sessenta e infelizmente envelheceu sem amadurar. No corpo e no rosto
há vestígios da beldade que foi, a voz mantém um timbre melodioso, mas aquele
pestanejar e as boquinhas, que com certeza a tornavam atraente na juventude,
incomodam agora como um tique nervoso.
Quando a vi sentar-se os meus olhos seguiram curiosos as pernas que tinham
"falado", mas surpreso com a diminuta saia e os estragos da idade,
mandei-lhes que discretamente se retirassem.