Desconheço se algum sociólogo estudou o curioso fenómeno da dificuldade que
os portugueses em geral sentem com agradecer.
Generosidade, hospitalidade, favores, cortesia, bons conselhos, uns esquecem,
estes acham que recebem aquilo de direito, outros crêem que só um dependente ou
subalterno se mostra grato.
Uns são tolos ou mal educados, os restantes involuntariamente exibem a
insegurança que se associa com os que não têm e fingem, e os que não são mas
tentam parecer.
Que o português nem a Deus sabe agradecer, também é facto. Transacciona à
merceeiro: se o resultado o satisfaz paga em contado e velas, ou arrasta-se de
joelhos, que além de grátis impressiona mais.
A sua especialidade, se assim se pode dizer, é o "obrigadinho". O
"obrigadinho" que simultaneamente minimiza a oferta ou o favor, e dá
aquele ar de importância que os parolos e os simples de espírito tomam por
genuína superioridade.
Há aí, pois, para as famílias, as escolas e os senhores políticos, trabalho
missionário a fazer. É urgente informar o português de que lhe mentiram e
consideraram papalvo quando disseram que Abril o tornaria um homem livre, íamos
ser todos iguais, em público e em privado nada havia a agradecer, daí em diante
tudo seriam direitos.
A verdade é que em sociedade ninguém é livre e os deveres ultrapassam os
direitos. Fora isso, esta nossa infeliz nação é uma de repelentes
desigualdades. Mas agradecer não rebaixa, bem ao contrário: fá-lo sem
dificuldade quem se sente senhor de si e respeita os outros.