domingo, dezembro 26

A fome da fama

 

Há visitas assim, a porta da rua ainda mal se abriu e quase nos empurram com a urgência de entrar, no mesmo instante estão na sala, e sem intróito começam a desfiar queixas, lamentações, perdas, tudo num acelerado que nos perguntamos se a pessoa consegue respirar ao mesmo tempo que fala. Consegue, até dá a impressão de que não se cansa, por certo tem pulmões que excedem de longe os de capacidade corrente, pois doutra maneira não se explica a bizarra intensidade do seu comportamento.

Num longínquo passado, quando a idade já alguma coisa me ensinara do trato com o semelhante, e das ratoeiras que vamos encontrando, a Lídia, então adolescente, entrou na minha vida de mansinho, fingindo pedir que lhe ensinasse como desenvolver a arte da escrita, pois só os livros contavam na sua vida, e nos horóscopos lia muitas vezes que viria a ser uma escritora de renome.

Era trinta e um de boca, o que ela de facto procurava era alguém que, ao contrário dos pais, tivesse paciência e bondade para lhe ouvir os sonhos e os desvarios que são as “doenças” da juvenude. Essa fase durou pouco, sucedeu-lhe outra em que ora aparecia de repente, ora passavam-se meses sem novas nem mandados, e perguntar não adiantava, pois nem a família  sabia das suas andanças.

De súbito, num espanto comparável ao que causam as explosões, apareceu-nos a Lídia em tudo quanto é dessas revistas em que se acompanha a vida dos ricos e dos famosos, casada com um Mendoza, madrileno, milionário, pelos jeitos dono e senhor de mais farmácias do que dias tem o ano,e ópticas outras tantas.

Veio depois a fase da televisão, a Lídia em tudo quanto era júri e concurso, ora sobre canções e cozinhados, ora cuidados da pele, miss isto miss aquilo, o aquecimento do planeta, a sujidade dos oceanos, a protecção dos órfãos na Somália.

Se sou franco, devo confessar que a páginas tantas, a ubiquidade da Lídia alcançara um ponto em que a reacção imediata à sua presença era desligar a TV, atirar com a revista e conter o ímpeto de rogar pragas a tanta vaidade.

Foi então que uma tarde oiço à porta pancadas autoritárias, vou abrir e a Lídia entra em pé- de-vento,  ao mesmo tempo que me põe nas mãos um calhamaço com a aparência de uma resma de papel e desata aos gritos num ataque de histeria:

- El hijo de puta deixou-me! Mas vai pagar, ó se vai! Leia isso! Já ouviu falar dos livros da Elena Ferrante? Nem aos calcanhares me chega! Leia isso e depois falamos.

Saiu como tinha entrado e não voltou a aparecer, mas tremo quando agora batem à porta.