Foi nos fins de 1969 que August Willemsen,
meu colega no Departamento Português da Universidade Amsterdam, me emprestou um
pequeno livro de contos de um autor brasileiro de que nunca ouvira falar.
Estranhei o nome, estranhei a modéstia do
volume, torci o nariz à imagem adocicada e retrógrada da capa, mas já nesse
tempo admirava a inteligência, a erudição e o gosto literário do colega, que
viria a tornar-se um brilhante, se não genial, tradutor da literatura
portuguesa e brasileira, e levei comigo Cemitério
de Elefantes (1964).
Em poucas horas dessa mesma noite o li. Maravilhosa
descoberta. Tudo o que no entusiasmo de Willemsen me parecera exagerado, confirmava-o
o pequeno livro: talento, originalidade, personagens inesquecíveis, a
inesperada abordagem do vocabulário e da narrativa, o modo sintético, a forma
de surpreender que só nos grandes contistas se encontra.
Ao longo de quase meio século tornei-me uma
espécie de missionário da obra de Dalton Trevisan, mas deve ser fraca a minha
arte de convencer, pois mau grado o ter distribuído por amigos muitos e muitos
dos seus livros, deles apenas recebi encolher de ombros e opiniões moles.
Facto é que Trevisan nunca foi homem de
modas. Para desespero dos editores, neste tempo de volumes de setecentas páginas
de muita parra, ele conta as suas histórias com extrema secura e economia, cada
frase como que a explodir de tensão, significado e mau prenúncio. Não são histórias
para divertir, antes convidam ao recolhimento, à introspecção, e por vezes a um
saudável susto.
Tendo, como antes disse, sido incapaz de
propagar o talento de Dalton Trevisan, e nunca imaginando que lhe seria
atribuído o Prémio Camões, escrevi o ano passado um micro-conto e dele tirei o
título para um livro, Os Lindos Braços da
Júlia da Farmácia, informando quem me ouvia ou entrevistava, que era a
minha singela homenagem ao grande, e então quase desconhecido escritor brasileiro.
Um conselho deixo: não percam A Guerra Conjugal (1969); Mistérios de Curitiba (1968); O Rei da Terra (1972); O Pássaro de Cinco Asas (1974); A Polaquinha (1985); O Vampiro de Curitiba (1965); Novelas Nada Exemplares (1959), e o mais
que dele puderem encontrar.