terça-feira, maio 15

Aniversário


Por volta das seis, lágrimas nos olhos, assim começou o aniversário dos meus oitenta e dois anos. Mas ninguém se apiede, que não foram de dor, só frustração e raiva. Das contas que me pus a fazer, tomado pelo sentimento da força das raízes que me prendem a este chão, e da animosidade, a inveja, a bruteza que por vezes leio nos olhos e nos modos. Fizessem eles sentir-me estrangeiro, que para esses guardam o apreço e o sorriso, os cuidados, a gentileza. Mas não, não me fazem sentir estrangeiro, fazem-me sentir estranho, forasteiro, galego de antigamente.
Permitem-se a familiaridade e a arrogância alarve dos pobres de espírito, e eu, com pena, finjo de surdo, mudo de conversa, falo do tempo. Não é cobardia, ou pundonor magoado, o que impede atirar-lhes o  que me está nos lábios, mas caridade, pena que sinto de vê-los incapazes de mudar, iguais aos bisavós, aos trisavós, mesquinhos, sacanas, manhosos, violentos e cobardes, doutorados em hipocrisia.
Corta-se-me o coração quando os sei aflitos, necessitados, mas é dar-lhes o negro de uma unha e logo arrebitam, sem piedade cortam a mão amiga, levam também o braço.
Quando olho o passado, sorrio feliz, recordo uma vida de dores e fracassos, alegrias intensas, amor, tristezas fundas, vitórias grandes, derrotas em proporção. E já não serão muitos os anos que restam, mas  partirei em paz comigo mesmo, grato pelo que me coube. Uma dor levo: a de não ter visto a minha gente mudar e melhorar, partir ciente que a deixarei com menos razões de esperança do que quando entre ela nasci.