Quem sai de Mogadouro pelo IC5 em direcção
a Alfândega da Fé, encontra, desde há pouco, uma nova bomba de gasolina. Porque
fica no caminho tornei-me cliente e, dias atrás, resolvi experimentar o túnel
de lavagem.
Sem me dar tempo a ler as instruções, já o
simpático proprietário tinha posto a maquinaria em funcionamento, e entretanto
fomos falando da crise, do facto de que para agora entrar na vila é precisa uma
grande volta. Falámos também do tempo, dos dois cães que por ali andam, das casas
de alterne na vizinhança, da seca e da má qualidade da couve galega este ano.
Preparava-me para pagar os € 6.50 da
lavagem quando o senhor, aliando o modo simpático à ciência de bom marketeer, disse que era oferta, pois eu
demonstrava ser cliente fiel e ele gostaria que assim me mantivesse.
Agradecido e sorridente, fui-me dali também
satisfeito, porque, embora pessimista inato sobre as coisas da nação, pronto me
alegro com pequeninos gestos ou provas de melhoria. Se bem que, a respeito da
lavagem de carros e dores do patriotismo, outras recordações guarde.
Assim no verão de 1964, depois de muitos
anos de ausência, estou em Moncorvo, entro uma tarde na garagem do senhor Moreira,
que Deus tenha, e pergunto aos funcionários se me podem lavar o carro.
Claro que sim. Volte dali a uma hora e a
coisa está feita.
Hora e meia depois o carro está lavado, mas eles continuam às
voltas no serviço, ora a esfregar com desperdícios, ora com panos, e
finalmente, para minha surpresa, com jornais, porque, como me explicaram,
"a tinta das letras dá um brilho muito especial à pintura dos carros.'
Senti vergonha quando quis pagar. O preço
era uma ninharia, coisa ridícula, um vergonhoso absurdo para recompensar o
trabalho de dois homens e o tempo despendido. Conscientemente corri o
risco de que me julgassem emigrante
parolo ou "brasileiro" endinheirado, mas dupliquei a gorjeta e fui-me
dali melancólico.
Um dia de primavera em 1975 chego de novo à
garagem do senhor Moreira. São outros os funcionários, diferente o modo,
sobranceiro e quase insultuoso aquele "Que quer?" do sujeito que me
olha de lado, o cigarro a pender do beiço.
- Queria lavar o carro.
Quando pergunto se demora, acena um não,
resmunga que espere, não vai demorar nada, e volta-me as costas.
Acende outro cigarro, liga a mangueira, durante
uns minutos chafurda água sobre o carro com o ar e a agitação de quem lhe bate.
- Está pronto São vinte paus.
- Mas então o carro fica assim? Não o seca?
- Já não secamos carros. São vinte paus.
Se ainda é dos vivos, este mecânico
revolucionário, inchado de supremacia proletária, deve andar agora pelos
sessenta, e de certeza lamenta que o Sol tenha brilhado tão pouco tempo. Mas
entre ele e o senhor da bomba de Mogadouro é grande a diferença, muita coisa
mudou, quase me dá vontade de dizer que estamos no bom caminho.