(Clique para aumentar)
Vai-se encosta abaixo, atravessa-se a
ribeira a vau, tão escassa é a água, segue-se o carreiro que há séculos, talvez
mesmo desde que começou a haver gente por aqui, levava ao resto do mundo. A
coisa de dois quilómetros aparecem de ambos os lados umas fragas que já de
pequeno me assustavam, e continuam a meter medo, disformes, gigantesca, a ameaçar
despenhar-se.
Olho com respeito e temor aquele cenário de
ópera. Nunca ali deve ter subido alma cristã, sarracena, ou troglodita,
tão-pouco se atreve nele a bicharada de quatro patas, que aquilo é a pique,
no melhor reino de cobras e lagartada.
Fui lá ontem, voltei hoje, sentei-me na borda
do caminho, perguntando-me quantos antepassados
meus o terão pisado, indiferentes à majestade do sítio, o pensamento voltado
para a luta do ganha-pão e as ameaças de doença e desgraça.
De muito alto veio descendo um abutre,
depois outro, um terceiro, um bando a circular sobre as fragas. Fiquei a
observá-los, tomado dum medo irracional, primitivo, ao recordar que vêm sempre de
longe, chamados pelo cheiro de morte e podridão.
Assobiei ao cachorro. Voltámos ambos a casa a
falar dos poucos coelhos, deitando de vez em quando uma olhadela aos abutres, agora
simples pontos num céu de tormenta.