domingo, abril 4

Domingo de Páscoa

"No domingo de Páscoa acordávamos com o estrondo dos foguetes a anunciar que o “compasso” saía da igreja para ir levar a bênção às casas. À frente caminhava o padre de sobrepe­liz e com o breviário, seguido do sacristão que abraçava contra o peito um crucifixo pequeno, mais cinco ou seis mordom­os, todos de opa vermelha. Um a tocar a sineta, outro com o hissope e a caldeirinha da água benta, os restantes levando enfiados no braço os cestos onde guardariam as oferendas.

O sinal de que se queria que o padre benzesse a casa - crentes ou ateus quase todos queriam - era espalhar defronte da porta da rua um braçado de verdura e flores. Mas a espera era longa. Passava a manhã e às vezes a tarde ia já a mais de meio quando por fim o “compasso” nos chegava à porta.

Ficávamos em pé na sala, junto da mesa onde estavam prontos os cálices, os doces, as oferendas de comestíveis que a igreja distribuiria depois pelos pobres e o envelope com o folar.

O padre chegava à frente, seguido do sa­cristão e do mordomo com a caldeirinha da água benta. Como a sala era acanha­da, dos outros só cabiam dois ou três e o resto esperava fora. O padre dizia “Aleluia! Aleluia!”, nós ajoelhávamos, e pegando no hissope ele aspergia-nos a todos.

O sacristão chegava-nos o crucifixo a beijar, depois de cada beijo limpava-o com uma toalha, e o padre murmurava a desejar-nos uma Páscoa feliz. Enquanto um mordomo recolhia discretamente o folar e outro as oferendas, meu pai enchia cálices de vinho fino para todos e debicávamos os doces.

Por sermos uma família pequena a bênção e o convívio duravam apenas uns minutos, e recordo que isso me acabrunha­va, porque tudo parecia ter mudado desde a morte da avó Maria, de quem, estranha­mente, eu sentia cada vez mais a falta. Creio que foi também por essa altura que melanco­licamente comecei a dar-me conta de que já tinha um passado."

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In Ernestinapág 267