domingo, julho 24

D. Ângela e a fama

Como se a sua vida ganhasse assim um significado especial, ou isso contribuisse para definir as suas qualidades, raro há conversa em que D. Ângela, viúva do engenheiro Pitta e mãe da Célia, não faça um inesperado parêntesis a anunciar ter nascido a 2 de Setembro de 1945, data em que a Segunda Guerra Mundial oficialmente terminou.

Como o assunto em questão nem sempre oferece oportunidade para essa inesperada referência, o interlocutor, se é pessoa que não pertence ao círculo da senhora, precisa de algum sangue-frio para manter a compostura e não dar mostra de supor que, ao fazer o despropositado anúncio, a D. Ângela pareça faltar uma aduela.

Felizmente não é esse o caso, apenas sucede que engravidou tarde e o parto quase coincidiu com o aniversário dos seus trinta e oito anos. Pelas costumeiras razões de gentileza, engraxe ou amizade, habituaram-na a ouvir que, a despeito da gravidez tardia, mantinha uma silhueta de bela rapariga.

Como os anos não perdoam e são cada vez mais as beldades, além de notar a diminuição dos piropos, D. Ângela passou também a sofrer com a concorrência da filha que, corpo escultural e carinha de revista de moda, se as vêem juntas forma com a mãe um doloroso contraste.

Já lá vai tempo, pelo que não recorda se leu ou alguém lho contou, que muitas pessoas se orgulham do acaso de terem nascido na mesma data de gente famosa. Pediu então à Célia que procurasse no Google, mas o resultado foi decepcionante, a fama parece não ter sorrido a ninguém nascido nesse dia.

Era azar, mas mesmo sem conotação a pessoa de fama, a data do fim da Segunda Guerra Mundial pareceu-lhe substituto de importância suficiente para justificar a menção, daí o hábito que criou. E teria mantido, não fosse o Candeias uma vez gracejar, ainda bem que não tinha sido na Grande Guerra, a de 14-18.