quinta-feira, janeiro 6

Bizarro destino

 

O modo como alguns escritores, por vezes tão penosamente vaidosos, se cansam a explicar os princípios filosóficos, morais, sexuais, sociais, das suas obras. O modo como tudo é ampliado, engrandecido, preparado para a venda, o êxito, a vitória - quando ao fim e ao cabo o conto, a novela, o romance, são somente histórias.

O autor fornece a moldura, os contornos, o movimento, e o leitor com a sua sensibilidade completa a obra. Só isso. O resto, explicações, andaimes, estruturas e sistemas, as escolas, as correntes, as modas, será útil para a fama e o comércio, mas é passageiro, insignificante.

Contudo, esses bombardeamentos tornam difícil manter-se a gente insensível, e de vez em quando pergunto-me porque bizarro destino o meu escrever é apenas escrever, apenas trabalho. Porque é que não oiço vozes nem tenho revelações? Porque não chega até mim a inspiração do Altíssimo? Porque é que na minha vida nunca se dão daqueles encontros ou situações donde subitamente faísca a luz do génio?

Deus sabe que não sofro de excessiva modéstia, mas como me sinto zé-ninguém quando comparo a minha singela labuta com as complexas construções intelectuais, artísticas e filosóficas que a maior parte dos escritores jura estar na base dos seus livros! Sejam holandeses ou suecos, americanos, búlgaros ou marroquinos, portugueses, croatas, todos eles parecem viver em planos tão esotéricos e elevados do pensamento, que só de ouvi-los sinto tonturas.