domingo, agosto 23

O fim dos três vinténs

À semelhança dos humanos também as palavras têm idade. Há-as bébés, adolescentes, na força da vida, cansadas, às vezes moribundas, algumas surpreendem quando a meio duma conversa despertam do coma profundo. Vi acontecer isso há pouco com "bota de elástico", expressão que julgava estar nas últimas, e logo depois alguém escarnecia da arrogância dos "mangas de alpaca". Creio ainda que só os que passam dos setenta conhecerão o significado de tringalha, desjejum, badameco, sabem que "os três vinténs" não tem a ver com moedas e se ouvem falar de fake news automaticamente traduzem para lero-lero.

Por deformação profissional, ao pensar às vezes num objecto reparo que ele me interessa menos do que as palavras que o definem, e assim dias atrás, a divagar sobre arcaísmos  ocorreu-me que os slides – diapositivos, para os puristas – de súbito desapareceram.

Maravilha da fotografia, mas também ocasião de aborrecimento quando se era convidado para assistir à projecção dos slides das férias de uma família, porque aquilo durava horas e havia sempre alguém a explicar o óbvio. "Olha! Não parece mas é um camelo! Vendem a carne assim! O souk. O minarete. Uma burka. O nosso autocarro. Uma rua muito estreita. A  mesquita. Um camelo e a fachada do hotel…"

Disfarçava-se o aborrecimento, garantia-se que era de facto interessante, escondia-se o bocejo e finalmente, adeusinho, abria-se a porta.

 Não tenho saudade dos slides, menos ainda da estopada que eram aquelas sessões de que atrás falo, mas não sei se é da vida ou da velocidade com que agora tudo muda, em certas horas fantasio que talvez houvesse vantagem em regressar ao passado, reviver por exemplo a serenidade com que em família se folheava um álbum de fotografias a preto e branco, a excitação de como para os mais íntimos se projectavam slides do que então passava por  pornografia.

Dá-se agora o caso que desde há tempos ando a sofrer duma fobia que, além de me tornar antipático me dá uma fama que não mereço: a de ser pouco paciente com gente que me quer bem, irritar-me por ninharias, e nalgumas circunstâncias mais extremas nem sequer esconder a malcriadez.

Ainda está a ler? Diga-me então o que ressente quando no café um amigo o pára, saca do telemóvel, insiste para que veja as fotografias que tirou nas férias. Ecrã minúsculo, as imagens num corrupio que pouco deixa ver, os dedos a tremelicar numa agitação de epiléptico, a sua paciência a findar. E ele a insistir para lhe mostrar as do ano passado? Seja franco!