“Tudo vale a pena. Se a alma não é pequena”. Longe de mim pôr-me a filosofar sobre a justeza da afirmação de Fernando Pessoa, pois além da escassez de ciência, sou pouco ou nada inclinado a explorar questões esotéricas.
Dá-se também que, com os vagares e o peso dos muitos anos que carrego, no meu dia-a-dia o tempo não sobra. De modo costumeiro resume-se, muito moderadamente, a meia hora de passeio, ajudar no ramerrão doméstico, manter o vício da leitura, e seguir na televisão o que me querem impingir ser, pura e dura, a realidade do que acontece no mundo.
Porém, meia verdade, mentira inteira, talvez sim talvez não, manipulação desavergonhada, ou só metade dela, torna-se cansativo assistir ao espectáculo e, em simultâneo, não conseguir evitar um constante sentimento de desconfiança, por vezes nojo, tão descarada é a falsidade, ou a arrogância de apresentar como testemunho verídico um transparente “embrulho”.
É provável que o desejo de impor uma “verdade” se tenha logo manifestado entre os da segunda geração que Eva pariu. Todavia, até recentemente, os incontáveis milhões que desde esse momento vieram ao mundo com razoável sanidade mental, só em desvairadas fantasias poderiam concluir que a realidade não é a que é, mas a que alguém, ou alguns com suficiente poder, decidirem que seja. Artificial, super inteligente, e à vontade do freguês.
Só que o dito não é para aqui chamado, esse “à vontade do freguês” é modo de dizer, pois já não há freguês no sentido corrente. Nem sequer loja, mas estádios plenos de multidão entusiasmada, gritando e saltando ao mando do deejay, esquecida que é rebanho, e terminada a música, as luzes, o foguetório, a espera o chicote e a mordaça.