domingo, novembro 24

A ilusão de guardar o tempo

 

É em parte uma questão de hábito que ganhei na juventude, mas também porque lhe reconheço utilidade, de modo que quando o fim do ano começa a aproximar-se compro uma agenda para o seguinte. Agenda de papel, evidentemente, e desde há duas décadas o mesmo modelo. Umas quantas vezes por desleixo, mudanças de casa e razões sem conta, foram muitas as que perdi ou deitei fora, mas tenho comigo as vinte quatro deste século, e dias atrás comprei a do ano que daqui a nada chega.

Para os mais novos, e os fanáticos do progresso, será este meu um hábito típico de alguém que  irremediavelmente, e há demasiado tempo, alinhou na categoria bota-de-elástico, o que de bom grado se lhes perdoa. Além de ser mais que evidente o terem eles razão, pois faz pouco sentido querer comparar a simplicidade, e morosidade, do uso de uma agenda em papel, com o que permite e torna possível a surprendente maravilha técnica que dá pelo nome de telemóvel.

Assim sendo, e de bom grado, não me resta mais do que aceitar ser visto como alguém que, com mediano entusiasmo pelas inúmeras vantagens do progresso, continua preso a hábitos que por muitos, provavelmente a maioria, são vistos como arcaicos, ou ligeira e doentiamente desfasados da modernidade.

Todavia, sem remorso nem vergonha o confesso, para lá do necessário ou festivo que aponto na agenda, nunca esqueço de anotar também a data do passamento dos fdp que me tramaram a vida, ou tentaram fazê-lo. Pouco falta para que lá estejam todos, mas pelo que me chega aos ouvidos, os que ainda por cá andam têm razões de sobra para temer o Inferno lá em cima, pois mesmo sem labaredas já sofrem um neste mundo.