domingo, novembro 5

Tudo se aprende

 

As palavras de amor eram dos poetas, dos apaixonados, dos adolescentes, sussurravam-nas as solteironas aos gatos, as beatas diante do Crucificado. Liam-se nos romances em que a doente se apaixonava pelo médico, ou a lavradeira caía nos braços do fidalgo. Ouviam-se nos fados, soletravam-nas as actrizes nos filmes a preto e branco.

Hoje as palavras de amor continuam a ser dos poetas e dos namorados, das solteironas, das beatas, mas são-no também da publicidade, ajudam a vender mixórdias e cremes, automóveis, iogurte, pasta dos dentes, gelados, café e chá, o caldo Knorr. São usadas pelas agências de viagens, fabricantes de telemóveis, político americano que queira manter o posto tem de terminar a arenga às massas com um sonoro I love you.

Já havia inflacção, até que vinte e tal anos atrás chegaram os blogues, e com eles as palavras de amor tornaram-se enxurrada, com a qualidade das enxurradas. Permito-me afirmá-lo porque investiguei, investigo, exploro-as na blogosfera com uma dedicação de entomologista à procura do insecto raro.

De certeza anda por lá, bem escondida, a expressão de amor original, elegante, formulada de modo em que nela a paixão brilhe e ressalte. Mas para nossa perda e sinal dos tempos, a tendência é para nivelar pelo mais baixo, compreensível para os fracos do espírito, e assim abunda a chochice, a frase requentada, aquele "amo-te" tão desgastado pelo abuso que dá para parafrasear o "se fosses só três sílabas" de Alexandre O'Neill.

E a julgar pelo que leio, senhoras e meninas levam a palma. Deve haver, mas ainda não encontrei uma que exprima a sua paixão com um vocabulário ou estilo que me dê vontade de, literalmente, sair à rua a deitar foguetes.

Senhoras e senhores, meninos e meninas: as vossas paixões e a nossa língua bem merecem o esforço: aprendam a falar de amor.