domingo, novembro 26

Lá vamos andando

 

De vez em quando a tentação é grande, tanto mais porque eles parecem não se dar conta de como seria fácil assentar-lhes uma bordoada no ego e na vaidade, naquela importância de pechisbeque. Mas no silêncio está a paz, deixa andar.

É vê-los como empurram quem se lhes atravessa no caminnho, na ilusão de que têm de ser sempre os primeiros, os do lugar de honra, que o mundo nada mais faz do que olhar para os primeiros disto, os mais daquilo, quem tem estrelas, e quantas, quais, onde.

O que esses tarde ou nunca aprenderão é a esconder a ganância, a inveja, pois mesmo quando sorriem deixam cair os cantos da boca, a sua pele ganha um amarelo ciumento de fígado envenenado.

Moles na espinha e no aperto de mão, caminham de lado com manhas de raposa, a risada que às vezes conseguem dar é um gargarejo que lhes sai meio entupido, sincopado de bílis.

Que o Altíssimo a todos favoreça.

Alguns deles alimentam a ilusão de que a vida se assemelha a uma autoestrada, com avisos a anteceder os cruzamentos e as curvas perigosas, os declives anunciados em percentagens, nos miradouros sempre belo o panorama. E então, tramados pela própria ingenuidade, julgam-se  capazes, de na vida como na estrada, indicar aos outros o melhor percurso, prever as curvas, os obstáculos, aconselhar paragens e cuidados.

Pena perdida. Muito pouco, quase nada, valem os avisos e manhosas intenções desses que em nós querem mandar e dizem proteger. Além de que para a vida não há mapas, programas ou instruções, pois mesmo à luz do dia cada passada é dada no escuro, nunca se sabe se virar à direita é melhor do que à esquerda, ou será errado seguir em frente.

Felizmente, uns e outros lá vamos andando, cegos de olhos abertos, contentes de que as pernas nos levem, iludidos de que sabemos para onde.