domingo, setembro 25

Um arroz de miúdos

 

Falarmos dos outros é, por vezes, um modo esquivo de falarmos de nós próprios, diminuindo assim o perigo de, como diz o Basílio Pontes, ficarmos de careca à mostra ou se nos vejam os “pordentros”, vocábulo que os dicionários ignoram, mas a sua avó materna usava, umas vezes para descrever as entranhas dos frangos que ia cozinhar, aludindo noutras a raivas mais fundas, as que além dos apertos no peito nos mexem com as entranhas e causam azedia.

Jovem de cinquenta primaveras, é o delfim do grupo de octogenários que somos, e nos esforçamos, não só por manter a saúde, mas fazer quanto podemos para acompanhar as desconcertantes, e muitas vezes desnecessárias, mudanças de tudo e mais alguma coisa.

Diverte-se o Basílio a, como ele malicioso afirma, nos surpreender com a “marcha atrás”, nome que dá ao seu maníaco hábito de, nem sempre a propósito e por vezes errando no sentido, polvilhar o que diz com arcaísmos e provincianismos.

Se estamos na esplanada do “Chiquinho” e vem a passar uma desconhecida jeitosa, piscamos o olho uns aos outros, porque não falha: o Basílio olha-a de cima a baixo, sorri, encara-nos e decide: - Aposto que é teúda e manteúda!

Cansativa, porque abusa, aquela sua maneira leva por vezes a inesperadas consequências, já que a maioria sofre de surdez e, verdade se diga, também nem todos têm conhecimentos bastantes para apreciar - talvez seja mais acertado dizer suportar – as boas intenções do nosso jovem camarada, em nos querer manter ao corrente do seu fascínio pela língua portuguesa.

A mistura de surdez e distração resultou ontem num desagradável quiproquó. O Benjamim elogiava o delicioso sabor do arroz de miúdos que a avó fazia, quando o Lousa, surdo e confuso, ao ouvir “miúdos” arregalou os olhos e furioso pôs-se em pé. Devíamos ter vergonha! Estando ali não admitia porcarias!