domingo, setembro 18

A escada da salvação

 

A escada do patamar ao pátio são só cinco degraus, mas a queda podia ter-lhe sido fatal, foi mesmo milagre. Não fosse a cabeça ter parado a dois dedos do corrimão de ferro onde se teria rachado, e não estaria agora a contar pela enésima vez que não tem explicação como, indo debruçar-se para ver se as hortênsias precisavam de água, de repente caiu aos trambolhões.

Nem por segudos duvida que o Alto interveio, e às vezes surpreende-se a olhar para o corrimão, com a vaga esperança de nele descobrir um sinal que confirme ter havido milagre. Infelizmente esse sinal demora, de forma que em momentos de sossego o Bernardino se ocupa menos em procurar as razões da sua salvação, do que descobrir que alma maligna lhe desejou a morte.

Candidatos tem de sobra, a começar pela Ermelinda, a mulher do “Terceira Via”, que pela frente  é toda sorrisos e paparicos, mas tomando-te de ponta a rasteira nunca demora. Diga-o Amílcar, a quem ela, por uma questão de ser ou não ser sua a vez de virar as águas da ribeira para a horta, o arranhou nos olhos com tal gana que só por milagre não ficou cego.

Com gente dessa diz o ditado que cautela e caldos de galinha não fazem mal a ninguém, mas também é da sabedoria popular que quanto mais te baixas mais se te vê o cu. De modo que incapaz de decidir entre a cobardia e a bravura, o Bernardino escolheu a prudência: sorriu, foi-lhe bater à porta, caíram-se-lhe os queixos quando em vez da suspeita lhe apareceu uma desconhecida, tipo de cidade, que com mau modo nem quis saber o que procurava e lhe disse, espaçando as palavras como se suspeitasse nele pouco entendimento:

- Se procura a feiticeira, ela já não mora aqui – e sem mais fechou-lhe a porta na cara.

Seria possível? Má de certeza era, agora bruxa não lhe conhecia a fama, mas à cautela saiu dali às arrecuas e fazendo figas.