Há momentos em que a surpresa de
algumas notícias tem efeito parecido ao de uma cacetada que nos deixa
atordoados, naquele estado de descrença em que as emoções levam a melhor sobre
o entendimento, e de seguida, não podendo reagir doutra maneira, desatamos às
patadas no chão, aos murros na mesa, aos berros e aos insultos, fúria inútil
que não alivia, apenas testemunha da nossa impotência.
Segunda-feira 25 de Fevereiro.
Anoto a data, embora me pareça que a não vou esquecer tão cedo. Aqui em
Amesterdão pego no jornal Het Parool e
fico de boca aberta (a fúria virá logo a seguir) com um título que em letras
gordas ocupa toda a largura da capa e anuncia que uma das duas universidades da
cidade, a Vrije Universiteit, vai
terminar com os estudos da língua neerlandesa, por razões tão várias como a
falta de interesse por parte dos estudantes, que preferem as ciências exactas,
mas também porque o estudo da literatura e da língua-mãe não é fashionable, e em muitos cursos o
neerlandês já foi substituído pelo inglês. Aos argumentos práticos e económicos
de no departamento de Línguas e Literatura já serem mais os funcionários do que
os estudantes, acrescenta-se o de que os rapazes e as raparigas que no liceu se
interessam pelas Letras ‘não contam’, nem são populares entre os colegas. Por
último uma inesperada objecção que seria cómica se não fosse estúpida, sem pés
nem cabeça, a de que actualmente ‘o
estudo das línguas é um hobby de esquerdistas’.
Os dias vão correndo, a agitação
abrandou, um ou outro tolo poderá argumentar que essa decisão me entristece
porque toca em algo que afecta o que foi a minha vida profissional e continua a
ser a minha paixão, mas assim não é, e se por acaso fosse seria o menos. O que
me faz descarrilar é a cegueira, a estupidez mandante dos que querem e têm o
poder de tornar supérfluo o que deveria permanecer
essencial, de suporem que tudo é técnica, mecanismo, algoritmos, de que a vida
são os computadores, a internet, e a única sociedade real a do Facebook.
Com os muitos anos que levo conheço
o desespero da impotência, sei de sobra o pouco que o indivíduo conta e a
amargura que dá ver como um a um se vão desfazendo os sonhos, mas sei também a
força que pode encerrar um ideal, e por vezes encontro algum alívio na certeza
de que a esperança é a última a morrer. Contudo, e por muito que queira, não
consigo libertar-me de uma outra bem desagradável certeza, a de que a estupidez
é contagiosa e demasiadas vezes é ela quem vence.