O ano que passou foi um encadear de guerras, atentados, desgraças
à escala bíblica, dando motivo de sobra para nos perguntarmos que tragédias nos
esperam. Todavia, é quando as notícias são más e as previsões desfavoráveis, que
mais razão temos para nos agarrarmos a tudo o que traga uma réstia de esperança,
pois bem pode ser que no que nos espera não haja apenas negrume, e se distinga também
alguma claridade.
A eleição de Donald Trump foi a grande surpresa, dado que
talvez mesmo aos que nele votaram tenha custado a acreditar que a vitória fosse
possível. Mas foi, razão porque, guardando uma avisada desconfiança, se
possa tirar daí algum optimismo, pois
mesmo que o presidente Trump nem de longe cumpra as promessas feitas - a
bazófia e o acenar com melhorias são inerentes à política – a força das
circunstâncias, de par com o sentido realista de homem de negócios, por certo o levarão a
aproximar-se da Rússia.
E o mais provável é que Putin o receba de braços abertos, dado
que o seu grande país não pode resistir indefinidamente ao gasto colossal a que
obriga a manutenção do aparato bélico, às consequências do baixo preço do
petróleo e às sanções do Ocidente. Nessa eventualidade pode bem acontecer que
se repita a détente dos anos 80,
quando o presidente Reagan estendeu a mão a Gorbachev.
Os políticos que governam a UE serão os primeiros a desconfiar
da inesperada amizade, mas não dispõem de meios (os EUA financiam 80% da NATO)
para impedir um eventual avanço da influência da Rússia no Báltico. Por outro lado, se a UE se
comprometer a acarinhar menos a Ucrânia, talvez Putin prometa deixar em paz os Balcãs,
e se acabe com a astronómica despesa que é o apontar de canhões de um e do
outro lado das fronteiras.
Contudo, nem por isso serão menos os motivos de inquietação, já
que a derrota do Estado Islâmico vai provavelmente resultar em vagas de
terrorismo que nos podem trazer a barbárie a que assistimos na Síria. E para
mal de muitos, se não de todos, basta que um bando de fanáticos realize um
atentado espectacular antes das eleições,
e Marine Le Pen poderá finalmente realizar o sonho de ser a primeira mulher a
tornar-se presidente da França.
Segundo alguns analistas que têm mostrado autoridade, o
desassossego que uma vitória da madame provocará na Alemanha, de par com o
desejo que esta não esconde de se descartar das economias mais fracas, será o
golpe de misericórdia para a união monetária.
Porém, se tal acontecer, "talvez surja então a eurozona a
que muitos aspiram: de menores dimensões, mas uma em que os acordos sejam
respeitados. E com esse alicerce a Europa poderá reencontrar a força que lhe
vem da sua diversidade."
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Publicado na CM Domingo.