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Vi há dias um programa da televisão holandesa em que garotos geniais resolviam em segundos problemas que me deixavam transtornado, não só por incompreensão do assunto, mas pela celeridade com que, saltando de uma fase para a seguinte, eles chegavam ao resultado, enquanto que eu magicava ainda sobre a relação entre o facto de Beatriz fazer anos a 19 de Julho, a mãe viver no nr. 32 doutra rua e o namorado vir de Bruxelas aos sábados.
Desliguei, dizendo-me que
aquilo não era para mim, mas de facto invejoso de não possuir um cérebro de
igual calibre.
É fenómeno recorrente,
essa inveja que me assalta cada vez que me dou conta de como as minhas
possibilidades tantas vezes ficam aquém dos meus desejos. Assim, por exemplo,
mau grado numa universidade ter passado mais de trinta anos a ensinar e a espiolhar
as literaturas portuguesa e brasileira, de em oito décadas ter lido uma
apreciável quantidade de livros e publicações, de ter à minha conta dúzia e
pico de obras ditas literárias, continuo incapaz de numa entrevista, em simples
conversa, ou num discurso, me exprimir "à escritor".
Ignoro em que fontes
alguns bebem a inspiração, em que suculentos tratados buscam ideias e
vocabulário, ou que divindade lhes oferta tão soberba inteligência, certo é que digerida
a melancolia da minha ignorância me toma uma irreprimível inveja.
O jovem e talentoso colega,
de quem é o período que segue, não se dará conta em que estado me deixou: metaforicamente
estatelado, a cabeça a zunir, perguntando-me por que razão o Todo Poderoso a
uns dá tanto e deixa outros à míngua.
«A
libertação da arte em relação à obrigação de representar, ou de apresentar
cabalmente o seu significante, é fundamental para adentrar um espaço mental,
que não deixa de ser também uma dimensão da realidade, caracterizado por uma
imprecisa questão para uma ainda mais imprecisa resposta. Chegar à questão é o
desafio, obter alguma resposta é a absoluta improbabilidade.».