É qualidade que me falta: não me revejo no próximo, não comparo, quero-me de fora. Ando por aí esquecido da idade, do aspecto físico, há horas em que me distraio e comporto como um extra-terrestre, atribuindo-me uma invisibilidade que não tenho, imaginando que os meus olhos vêem para lá da pele alheia, o meu cérebro lê os pensamentos de quem passa. Que só não voo porque ainda não quero.
Assim fosse, assim não é. E porque me devolve à realidade,
quando caio em mim, esse acordar pouco tem de agradável ou pacífico.
Tempos atrás vi-me numa reunião em que só havia idosos em
avançado estado de debilidade, felizmente quase todos bem dispostos, só um ou
outro caindo no hábito de enumerar mazelas e comprimidos. O sentimento que primeiro me
tomou foi de que me encontrava ali por acaso, mas logo me recompus, e
participei, cavaqueei, fiz o melhor que pude para não destoar no papel de
ancião.
Todavia, à saída revelou-se-me o que aponto acima: tinha
convivido, participado, mas sem me rever naquela boa gente, alguma dela com bem
menos anos do que eu.
Daí que o mais provável é que um dia destes me espere uma
desagradável surpresa, pois também não me identifico com aqueles a quem há
pouco cresceu a barba.
Quem serei, que não descubro quem sou?
Sabe você quem é?