Como se finalmente desse conta de si, parou junto de um S.O.S da E40, recordando o instante em que deixara o prédio da Avenue Louise, a porta de ferro trabalhado a fechar-se lentamente. Revê o momento em que ela, abrindo a gaveta da secretária, assina o cheque e lhe entrega as chaves do carro, acrescentando que pode ficar com ele, os documentos estam no porta-luvas.
Os guarda-costas, indiferentes,
imóveis nos cadeirões junto da parede, olhos presos na imitação de lume a
bruxulear na lareira eléctrica.
-
Se concordas, resolve-se assim – tinha ela dito, hesitante, como se esperasse a
negativa.
Sem
responder, mal a encarando, agarrou as chaves, meteu o cheque no bolso, caminhou
para a porta, tenso, sabendo-se liquidado.
Desceu
a avenida, virou para a Place de
Brouckère, seguiu o túnel, depois a Rue
de l'Égalité, e num impulso, vendo um painel da E 40, metera para Ostende.
Deu
conta do perfume quando travou brusco, sem se perguntar o que o levava a parar.
Seis
anos antes. A mesma sala. Certa de impor ao novato a
sua vontade.
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Morde.
E
ele obedece, aceita, será
carrasco e escravo, a sua existência um anúncio de perdição, o abismo cada vez
mais negro, cada vez mais fundo. Algoz a brincar, escravo a sério.
Os
gendarmes param as motas junto do S.O.S. Não, não aconteceu nada, parou porque
quer telefonar. Acena, vê-os seguir.
O
perfume é tão intenso como se, o que ela gostava de fazer, estivesse ali nua,
deitada no banco traseiro.
Na autoestrada conduz
em transe, atravessa a cidade atentando apenas nos semáforos. De súbito vira para o porto,
sem saber que mão o guia para o molhe dos contentores.
Os
seguranças ouvem o motor, descrentes de ver que o carro atira com a barreira e,
acelerando, desaparece no mar.