domingo, maio 15

Acudam-lhe


Acudam-lhe. Julguei que fosse mentalidade ou cegueira de lacaio, subserviência de cão ao dono, mas só pode ser doença. Doença grave. Não daquelas que levam repentinamente à cova, antes das que minam lentamente o espírito, dando visões, e terminam no desvario total da cabeça e encerramento na cela dos furiosos.
Semelhante caso de idolatria raro se vê. Comparados com ele, os yes men que orbitam e ajoelham em redor do Chefe, o incensam, lhe acendem o cigarro, sorriem quando ele sorri, parecem crianças de infantário a agradar à menina que os guarda.
Aos seus olhos o Aldrabão-Mor nunca mente, nunca mentiu, jamais mentirá. Encarna a virtude e a justiça, o amor ao Povo – sim com maiúscula. Para ele este novo Grande Timoneiro é, em carne e osso, a certeza futura de dias felizes, do mágico sol que brilhará para todos nós e para sempre. Mandasse ele nas igrejas fazia-o santo sem passar por beato.
Apresenta-se ao lacaio uma evidência em contrário dos actos e factos do adorado? Cem evidências? Mil? Reage ele com um desdenhoso piparote dos dedos manicurados, e um ainda mais desdenhoso arreganhar dos beiços. Porque só verme recusa compreender as beneméritas intenções do Máximo, é preciso ser-se escória para desdenhar da grandeza dos seus planos, da argúcia que usa ao leme da caravela que, fôssemos melhores e mais agradecidos, há muito nos teria levado a bom porto.

É um caso e mete pena. Preferia que me fizesse zangar ou obrigasse a rir, mas não consigo.