Aos maliciosos e aos que de tudo desconfiam, custará aceitar que digo isto sem ponta de ironia: raro passa dia que não me interrogue sobre a razão das minhas medianas vivências e o espectacular fogo de artifício com que rebrilha a vida alheia.
Não se pense que aludo manhosamente a um ou outro escriba seguro da imortalidade das suas páginas, ou a qualquer político já certo de que terá estátua e lugar na História. Menos ainda me meço com os que brilham no cinema, na têvê , nas revistas e nas bocas do mundo.
O que me preocupa são as diferenças – fosse eu poeta escreveria diferenças abissais – entre mim e os meus compatriotas portugueses.
Já me perguntei se seria de viver em dois países com sociedades de costumes tão diversos. Ocorreu-me ainda que poderia procurar a causa no clássico fosso entre as gerações, não fosse o facto de também os idosos aqui, seja a questão doméstica ou nacional, referirem sempre que se trata "de um grande desafio", ou que vão "aceitar o desafio". O cancro de que sofreram, a compra do T3, a viagem ao Nepal, a excursão a Avintes, tudo é desafio.
Pessoalmente continuo a ver e a olhar, mas o resto, juízes, caixas, varredores, ministros, electricistas, todos "visualizam". Remédios? Ninguém toma, andam "com medicação". Vão ao café "socializar". Pergunta-se-lhes em que se ocupam, respondem que são "criativos".
Oiça, há horas assim: adormeci ontem a ler as revistas do Expresso e do Público e a manhã está como mostra a fotografia.