quinta-feira, junho 25

O macroacto ilocutório

Os novos não querem ouvir, não se interessam, diz ele. Eu tãopouco o quero ouvir e dispensava a conversa, mas tem-me ali como refém, o remédio é aturar.

Se bem compreendo gostaria de escrever uma espécie de "Carta de Guia de Casados", dirigida a um certo tipo de rapaz que, nestes tempos de ascensão feminina, lhe parece mal preparado para o casamento.

Sabia eu que há um tipo de mulher que parece incapaz de apagar as luzes e as deixa sempre acesas, às vezes de dia e de noite? Sabia eu que muitas mulheres têm o sono inquieto, e isso se reflecte no descanso nocturno do cônjuge? Que há mulheres que, devido às espinhas, não gostam de peixe? Que está cientificamente provado que uma mulher demora até cinco vezes mais do que um homem a fazer compras no supermercado? Que logo nos primeiros meses do casamento um grande número de mulheres hostiliza abertamente os maridos? Que certas mulheres…

Perco-me com a lista, distraio-me, o pouco que me resta de atenção foca-se no seu vocabulário: falou de "cônjuge", diz que quer "tanger a questão", "delimitar as possibilidades", "optar por um claro estatuto metaenunciativo"…

E porque estudou o que se chama ciência da literatura, atira-me com a necessidade de no futuro livro "desenhar, num macroacto ilocutório, a orientação configuracional do discurso."

Sinto ouras. Deixei de ouvi-lo. Esforço-me em vão por recordar se é casado.