quarta-feira, janeiro 16

O RIJOMAX

Aos sete anos tentou fazer o seu primeiro relógio. Com rodas de madeira. Aos doze foi trabalhar numa relojoaria. Em 1933, com vinte e um, estabeleceu-se em Tabuaço.
A partir desse momento tomou-o a obsessão de construir um relógio diferente. E conseguiu-o. Durante trinta anos reservou todo o seu tempo livre para o RIJOMAX. Nas palavras do folheto que ele oferece a quem o visita: "O relógio mais completo do mundo - Uma obra misteriosa - Patente nr. 12931.”
Com os seus dois metros e pouco de alto, e cerca de um de largo, o RIJOMAX à primeira vista não se impõe. E mau grado a grande quantidade de ponteiros, mostradores, mais de 16.000 algarismos e letras, não parece um relógio sério. Talvez porque o construtor o tenha enfeitado com o seu próprio retrato, brilhantes e rubis falsos, poemas, provérbios, imagens, luzes que piscam e um sem-fim de atributos. Isso é a aparência, mas a gente sem querer ri-se. Quando o senhor Ribeiro começa a explicar, a gente cala-se.
O RIJOMAX está programado para funcionar durante 10 mil séculos em ciclos de 6272 anos. Corrige as diferenças existentes entre os vários calendários antigos e modernos. Ao fim de 128 anos suprime automaticamente o dia resultante do acréscimo de 45 minutos em cada ano bissexto. Contabiliza a diferença diária entre o tempo solar e o tempo do calendário, de forma que ao suprimir 1 dia em cada 128 anos, registará adicionalmente 29 min. e 37 seg. Passados 6272 anos terá suprimido 49 dias, mas a adição da diferença atrás mencionada será já de 24 h 11 min. e 13 seg., razão porque o mês de Fevereiro do ano 8172 será de 27 dias.
O RIJOMAX marca também os equinócios, os solstícios, as fases da lua. Tem uma luz que se acende e apaga diariamente, no momento exacto em que o sol nasce e se põe. Claro que mostra as horas, minutos, segundos, meses e anos da era cristã (estes últimos assinalados por um velho conta-quilómetros).
Possui calendários para se saber o dia da semana de qualquer data, “desde 1 de Janeiro do ano 1 da era cristä, até ao presente e futuros.” Um dos seus ponteiros move-se de 100 em 100 anos para assinalar a passagem do século, enquanto as oscilações de outro duram meio segundo. Regista o ciclo solar e lunar, o da letra dominical, e a epacta.
- Sabe o que é a epacta? - perguntou-me o senhor Ribeiro.
Confessei que ignorava. Ele sorriu, explicou, e disse que quase ninguém sabia.
Na face posterior o RIJOMAX possui mostradores com os calendários de Juliano e Júlio César, de Nabucodonosor, das Olimpíadas, de Abraão, Moisés, Salomão, e da história de Portugal.
Tudo a girar em misteriosas sincronias. Calcula e faz muitas coisas mais: umas estranhamente complexas, outras comezinhas, como dar “a horas certas uma saudação em vocabulário religioso”.
Cumprimentei o senhor Ribeiro por demonstrar tanto engenho, tendo apenas a instrução primária. Ele agradeceu, sorriu, quis saber onde eu vivia.
Ao ouvir-me dizer Holanda, ergueu os braços, exultante. É que, explicou, ele próprio nunca tinha compreendido donde lhe viera a ciência para fazer um aparelho daqueles. Mas tempos atrás tinham entrado na loja dois desconhecidos, e um deles, assim sem mais nem menos, anunciou que o senhor Ribeiro não fizera o relógio sozinho. Emprestara as mãos e dera o trabalho. Isso sim. Mas a ciência e os cálculos eram dum matemático holandês que nele tinha reincarnado, e em certas noites se vê a passear diante da igreja da praça, ali em frente.