domingo, outubro 24

Tudo são sinais

É questão de feitio, nada a ver com estudos ou inteligência, há os que não acreditam em nada coisa nenhuma, enquanto outros, seja ele a borra do café, o vôo dos pombos, a matrícula do autocarro, em tudo descobrem prenúncios e avisos.

Se vêem um manco mudam de passeio, nos dias treze andam com uma figa no bolso das calças, entram sempre com o pé direito, e não lhes digam que são taradinhos, deviam envergonhar-se da maluquice, pois se os há que não se importam que se riam deles, outros não o dirão de caras, até são capazes de fingir que sorriem, mas levam a mal. O que vale ao gracioso é que as pragas são o que são, não há prova de que mesmo a muito rogada “Raios te partam!” alguma vez tenha tido efeito.

Assente esse ponto entre em cena o meu camarada Adelino Carqueja, recordista de signos e superstições, estudioso do Livro de São Cipriano, obra do santo e feiticeiro, segundo ele injustamente ridicularizada pelas seitas de positivistas, ignorantes encartados, cheios de certezas que tudo reduzem aos cinco sentidos e desdenham das evidências do sobrenatural.

Ora segundo o Adelino, se houvesse nas pessoas mais humildade em relação aos mistérios do mundo, e fossem capazes de interpretar os signos, iriam dar-se conta, como ele próprio se dá, de que estamos na véspera de acontecimentos que irão afectar o país, e também as circunstâncias da vida de muitos.

- Mas atenção! Não estou a falar do clima ou da subida do nível dos oceanos, que  isso são questões do planeta. Estou a falar de nós, de Portugal, dos portugueses. E digo-to com toda a sinceridade, ando mesmo muito preocupado, durmo mal, estou a ficar embirrento, falta-me o apetite.

Fora de que os amigos são para as ocasiões, entre os deveres da amizade não é menor o da compreensão, mesmo quando além de paciência isso implica que se ponha de lado o sentido crítico e a malícia, se leve a sério a necessidade do fingimento, o que num caso como o do Carqueja não é pedir pouco.

Nada virei a saber dos males que nos vão afligir, nem das bases em que o meu velho camarada alicerça o seu temor, pois isso o mantém ele em segredo, oferecendo apenas, à maneira de prémio de consolação, que devo reparar num curioso movimento da mão direita do Primeiro Ministro quando discursa.

O significado do gesto e o que ele tem de profético, os males que anuncia, tudo se encontra no Livro de São Cipriano, mas não vai adiantar mais. O que lhe custa, mas também não esquece terem-me ouvido dizer que com as bruxarias ele está meio cheché.