segunda-feira, maio 14

Muito cansa

Quanto mais gente um escritor conhece, mais difícil se lhe torna criar personagens, pois “amigos e conhecidos” ficam alerta, “vêem-se” no João e na Maria, regozijam se a figura lhes parece simpática; aparecem de mau modo a pedir contas quando não lhes agrada, dedo no ar, tratando o autor por você:
- Olhe que não quero que me ponha na internet! Não admito!
Como vou eu provar que aquilo não tem a ver com ele ou com ela? Que não lhes reconheço virtude ou anomalia que os torne matéria-prima de razoável ficção? Que me aborrecem? Que os acho mesquinhos, tontos, pobres-diabos?
Este encontrou num texto meu um personagem com bigode. Usa bigode, ergo, aquilo é retrato maldoso, vá de atirar com frases em moda, “não admito atentatos à minha privacidade, exijo respeito”.
Estoutra pintou o cabelo, a personagem pinta o cabelo, só pode ser escárnio. E não tem dúvida, pois reconheceu-se mesmo no modo como a  Márcia do meu texto sorri.
- Olhe que não tenho texto com Márcias.
- Ai não? Então deve ter sido noutro. De qualquer maneira não quero que me ponha na internet.
Muito cansa lidar com gente e fazer de conta que somos todos sãos do espírito