Curioso, o acaso
que nos faz abrir um livro(*) e reler, com um sorriso triste, esta ironia
antiga. Mas de certo modo consola que o retrato do Portugal de 1871 nada tenha
a ver, nem de longe, com o Portugal de 2025. Só um espírito azedo pretenderá o
contrário:
“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão
dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única
direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem
instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma
solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens
públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na
inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma
rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao
acaso… A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha. A
indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é
considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o
aluguel. A agiotagem explora o juro.
De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro… Não é uma existência,
é uma expiação. E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: “O país está perdido!” Ninguém se ilude… E que se faz?
Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de norte a sul, no Estado, na
economia, na moral, o país está desorganizado – e pede-se conhaque!
Assim todas as ideias certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão
bem na podridão!”
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(*) Uma Campanha Alegre (vol. I)- Eça de Queiroz.