Num passado
longínquo, e assim ficaria até ao seu falecimento, era ele o meu mentor e
melhor amigo, tão íntimo que só a minha mulher lhe levava a palma. Andanças,
revezes, horas de boa fortuna, traições, dores, seguia o seu conselho, tudo lhe
confiava.
Razão de sobra para ficar chocado no dia em que, no seguimento de uma longa
conversa sobre o ambiente político em Portugal – era o fim da década de 60 –
ele atalhar o que eu estava a dizer, com um brusco e mal humorado: “Da vida já
sabes alguma coisa, mas no que respeita o conhecimento da política és uma
nulidade.”
Doeu, e quando recordo o momento ainda dói, porque me obriga a enfrentar a ingenuidade e o demasiado tempo que duraram os meus sonhos e ideais.
Então a meio dos trinta, a partir dos cinco anos sempre tinha lido de modo desordenado, e fosse Zola, Balzac, Eça, Hugo, Maquiavel, Salgari, a curiosidade e o interesse equivaliam-se. Porém, essa “fome” – de verdade é assim que a devo nomear – parecia corresponder tanto à satisfação de uma necessidade de adquirir conhecimento, como à tentativa de preencher o vazio secular que tinham ressentido as gerações dos meus antepassados, obrigados a sobreviver sem mais do que a força dos braços e fé no Altíssimo.
A essa servidão puseram fim ambos os meus avôs, sobretudo o paterno, leitor fanático, que por herança me deixou dezena e meia de romances e montes dos folhetins que, anos a fio, ele recortara do jornal.
Entretanto, meio século depois da reprimenda do meu amigo, se posso afirmar que alguma coisa aprendi da política, também é válido que, pudesse eu escolher, de bom grado retornaria à ignorância. Porque testemunhar a degradação da politica na minha pátria, a baixeza e desprezo com que políticos e “fidalgos” tratam a ralé, causa um nojo que supera o de um cadáver a apodrecer.