domingo, junho 25

Onde é o dói?

 

A defunta Madre Teresa, o Papa Francisco, o sempre bem disposto, sorridente e beijoqueiro Dalai-Lama, o senhor Fernando da garagem, você, o seu vizinho do terceiro, eu próprio - todos temos maus hábitos. Uns mais do que outros, alguns até ao exagero, e esses são os que se apressam a apontar o dedo.

Entre os meus, creio que poucos, dizem-me que um dos que mais irritam é o de que pareço incapaz de responder séria e laconicamente, quando me contam um caso ou pedem opinião. Segundo esses que me acusam, em vez de sim ou sopas começo por contar uma história que às vezes se alonga e raro tem a ver com o assunto.

Dias atrás falava-se de um casal desavindo e dos argumentos com que cada um demonstrava a sua razão. Quando quiseram saber o que decidiria, eu, mau Salomão, repliquei com a história que em casos desses é a minha favorita.

Foi em Roma, na era de César. Um poderoso, rico e muito elegante senador convidou os seus melhores amigos para jantar. Porém, antes, de fazerem as abluções e passarem ao triclinium – a sala de jantar com os clássicos três leitos - não querendo perturbar os convidados durante a refeição, anunciou logo ali que se ia divorciar.

Pasmo geral. Como podia acontecer semelhante coisa? Então não era a sua esposa uma das mulheres mais ilustres do Império? Das mais inteligentes e distintas? Haveria outra que a igualasse em beleza ou elegância? Tinha ele entontecido?

O senador ouviu-os em silêncio. Então, chamando um escravo, ordenou que lhe desapertasse uma sandália, e com um gesto teatral mostrou-a aos amigos, pedindo que lhe dissessem o que pensavam dela. E eles que sim, claro, não havia sandália mais elegante, de cabedal tão fino, melhor forma ou mais belos enfeites.

- De facto, meus amigos, de facto! Bela. Bonita. Nova. De excelente qualidade. Mas digam  então: onde é que ela me magoa?