Muito se fala e muito se acusa, no soalheiro Portugal. Muito se aponta o dedo ao vizinho. Dele e dos compinchas é a culpa dos males que nos afligem e ainda mais hão-de afligir. Muito se fala e muito se acusa, no abençoado país onde a miséria é antiga como a nacionalidade, e irmã da esperança, crente em velas acesas que, baratinho, compram milagres. Pouco se grita, mas muito se queixa e ainda mais se inveja e admira o Francisco Esperto, filho da Dona Branca. Muito se lastima que no jardim à beira-mar não cresçam as rosas que o vizinho prometeu, mas não plantou. Muito se chora, muitas culpas se deitam, muito medo se sofre, mas também muito se espera e adia, muito se discute, muito café se bebe.