sexta-feira, maio 5

O garrote do carrasco

 

Até hoje apenas duas vezes estive num tribunal. Ambas como queixoso e de ambas saí de lá contente de que me tivessem dado razão. Mesmo assim, porém, talvez por inata desconfiança da justiça dos homens, o tribunal assusta-me. Passo de largo.

Infelizmente, num pesadelo que de longe a longe se repete, vejo-me no banco dos réus. Ao meu lado uma desconhecida de que não descortino o rosto. À minha frente um juiz. Deve haver público, porque oiço o sussurro de conversas. O ambiente é de impaciência, mas ninguém se move, a impressão que tenho é de que se espera a chegada de personagens que demoram.

Cada vez mais próximo, o som ritmado de soldados em marcha. Vozes de comando. O juiz faz um gesto com a mão e a mulher levanta-se, encara-me assustada, compreendo que também me devo levantar. O badalar de uma sineta anuncia a chegada do carrasco, vulto gigante, enca­­puchado, todo de preto.

A mulher cerra os olhos, curva-se como a oferecer o pescoço e é morta de um só golpe do garrote. Terá chegado a minha vez? O carrasco aproxima-se, os seus olhos brilham por detrás da máscara, mas de súbito o chão abre-se e despenhámo-nos ambos numa queda sem fim.

Nos instantes que seguem o acordar tenho a impressão muito viva de que fui condenado por algo que não fiz e desta vez escapei. Da próxima não garanto.

É verdade. Tenho medo dos tribunais. Pouco se me dá que sejam os da sociedade ou os do pesadelo.