domingo, janeiro 15

Na sala de espera

 

A conversa ouviu-a ele por acaso, mas também porque no sossego da sala de espera do cardiologista, fora uma mulher de meia idade e ar de aborrecida, só estavam dois anciãos, pelos jeitos vizinhos, e ambos tão surdos que, além de falarem alto demais, repetiam quase tudo o que diziam.

Com ares de filosofar, queixavam-se que bom seria se houvesse sempre paz e harmonia,  amizades seguras, mas a vida faz segredo do guião que para nós escreveu, nem sempre revela os episódios, entremeando os momentos altos e baixos com uma excessiva dose de mediania.

Aguenta-se? Pois aguenta, que outro remédio não há. Aprende-se a fazer das tripas coração, a sorrir até que o infortúnio passe, a afivelar a máscara que em simultâneo nos esconde e protege.

Chegada certa idade, disse o que parecia mais velho de ambos, aí por volta dos setenta, a vida muda os episódios e acrescenta-lhes um suspense de roleta russa.

Começam então as visitas aos especialistas e a cada uma, como se estivesses num tribunal, preparas-te para ouvir se a sentença vai ser de meses, prisão perpétua, ou de morte. De vez em quando os juízes retiram-se para deliberar, mas pena suspensa não há, nem perdão, só adiamento.

- Ouviste mesmo essa conversa? - perguntei desconfiado, porque o Gaspar tem bastante queda para a ficção.

- Claro que ouvi!

- E os velhotes falavam assim? Se calhar catedráticos.

Ao ver a mudança de expressão e conhecendo-lhe o feitio achei mais acertado não insistir, porque quando suspeita que duvidam do que conta, por vezes dá-lhe uma fúria, vem então à tona um Gaspar que é todo o contrário do bonachão que em geral aparenta. O mesmo que aterroriza a sogra, quando ela exige que descalce à entrada os sapatos da rua, ou sugere que não faça mais tatuagens, com o argumento de que as que tem sobram e os vizinhos murmuram.